segunda-feira, 21 de março de 2016

Sobre o socialista de iPhone

Não há momento mais conveniente que esse para levantar a questão sobre o socialista de iPhone. Boa parte da população vive intensamente os acontecimentos oriundos da crise no governo brasileiro e se por um lado fala-se muito sobre políticos e suas ações na prática, por outro lado fala-se pouco sobre as filosofias políticas de opositores e apoiadores do governo.

É errado um socialista ter um iPhone? Certamente não! Mas a crítica não se limita a isso. O socialista de iPhone representa um estilo de vida elitista. Ele não é somente um possuidor de smartphone, ele é um entusiasta do Netflix, Spotify, Uber, Snapchat, Facebook, Instagram, festivais de música, bons restaurantes e bons drinques que, na primeira oportunidade, levanta bandeiras anti-mercado. Isso é, no mínimo, contraditório.

Eles poderiam dizer que o Marx nunca disse que devemos fazer voto de pobreza - e isso é verdade - mas o mesmo barbudo falou exaustivamente sobre os males do fetiche a mercadoria. Outros dizem que o avanço tecnológico é inevitável e natural. Ou, como disse Cynara Menezes "no socialismo, todos terão iPhone". Afirmações como essa (e o determinismo histórico em geral) são tão passiveis de confirmação quanto a ida ao paraíso e encontro com sete virgens.

O maior erro de julgamento da esquerda é achar que a igualdade social é a solução para os pobres enquanto ela ignora não só o histórico de tentativas socialistas como rejeitam a ideia da geração de riqueza como um fator fundamental para evolução da sociedade. Seus discursos me fazem pensar que durante mais de 5 mil anos o mundo era perfeito. Que, com mais de 90% da população vivendo nas mesmas condições e sem capitalismo, a felicidade reinava na Terra.

Na pratica, não importa o quanto de riqueza foi gerada nos últimos 200 anos, o quão popular se tornaram produtos, serviços e tecnologias antes limitados a poucos, quanto - em geral - a sociedade evoluiu em níveis econômicos e sociais ou quanto as condições de trabalho nunca foram melhores. A esquerda é categórica: A desigualdade é terrível, o sistema capitalista é o maior problema do século XXI.

Partindo, portanto, do princípio de incapacidade do capitalismo e do mercado em contribuir para a evolução da sociedade, a esquerda defende o Estado como instituição fundamental e única para exercer a justiça social, não importa se essa instituição é responsável por guerras e escravidões durante milênios.

Não há crédito e elogios aos empreendedores que hoje nos fornecem produtos e serviços que há 20 anos jamais imaginaríamos usufruir. Preferem, por exemplo, falar de como o Estado luta para frear a destruição do meio-ambiente causada pelo capitalismo ao invés de entender que o iPhone, que além de um simples telefone substituiu o uso de calculadora, bloco de notas, relógio, lanterna, agenda, etc., economizou mais recursos naturais que qualquer ação do Greenpeace.

Há quem não vê contradição em ser um socialista de iPhone. É aquele grupo que abraça rótulos que em princípio são contrários a ideologia que defendem. Não ligam em ser a esquerda caviar. Não ligam em dizer "aquecimento global" e depois mudar a pauta para "mudanças climáticas". Não ligam em defender golpes chamando opositores de golpistas. Não ligam em vestir a camiseta de um assassino. Eles são os articuladores que entenderam que não há uma luta de classes e sim uma luta semântica e midiática. Que não importa o que fazem, mas sim o que falam. Eles estão na frente nesse quesito pois levam a sério a máxima que uma mentira repetida mil vezes se torna uma verdade. Não são hipócritas por isso, são cínicos.

Lanço um desafio a esquerda: Que tal, parar de chamar todo mundo de fascista e falar que isso é "mais amor"? Que tal, genuinamente se interessar por melhorar as condições econômicas das classes mais baixas através de uma sociedade mais livre? Que tal, admitir que o estado e corporações amigas são parceiros e pisam na população de cima para baixo e não da direita para a esquerda? Que tal, admitir que o mercado proporciona coisas ótimas e que um governo jamais seria capaz de prover?

Nada mais normal que querer usufruir de todas as tecnologias disponíveis. Só não seja um cínico.

terça-feira, 10 de março de 2015

Moralistas - conservadores e esquerdistas uni-vos!

Cinismo e ignorância são algumas comuns características para a formação de um esquerdista, mas nenhuma é mais predominante que o moralismo, característica essa, necessária também entre conservadores. 

Esses declarados inimigos tem muito mais em comum do que se sugere. O método para "moralizar" a sociedade sempre passa pelo estado, visto por ambos como necessários para uma sociedade próspera. Portanto, com esse dogma em comum, sobram somente discussões sobre como a engenharia social deve ser arquitetada e executada, nessa bela festa da democracia.

De um lado, acreditam que o "bem" prevalecerá no combate a moral cristã e o capitalismo, reforçando o apoio a "minorias sociais" enquanto que do outro lado há quase um completo antagonismo na formação de conceitos como "certo" e "errado"

Acredito eu, que o processo de racionalização é chave para tranquilizar e reafirmar posições de pessoas com visões tão diferentes.

A racionalização da esquerda se dá através do relativismo. Muitos deles afirmam que não podemos dizer com certeza que 1+1=2, que chuva é aguá caindo do céu ou que conceitos como propriedade e liberdade podem ser definidos objetivamente. É claro que o mesmo não se aplica ao estado nem a guerra de classes.

Nesse momento, chego a entender porque críticos ao panelaço da Dilma não veem problema algum em desprezar o vizinho burgues que bate panela na varanda reclamando da desfavorecida presidente, enquanto no fim de semana irão passear de iate e descansar em uma luxuosa casa no litoral, ou até passar férias na Europa. Apesar de entender, me preocupo e muito.

O "big plan" da esquerda está acima de qualquer suspeita (assim acham). Qualquer argumento é valido desde que reforçem objetivas noções de exploração do rico contra o pobre e do controle estatal sobre a sociedade. 

Pensar e agir são vistos como fenômenos desconexos. Se eu pensar e discursar a favor de algo já é o bastante. Minhas ações são "relativas". Não precisa nem se extender muito para perceber o quão perigosa é essa ideia.

Somos estimulados a permanecer na matrix dando pouca importância aos nossos atos que são a base para a transformação de uma sociedade. Pessoas integras, são induzidas a se tornarem moralistas e nesse momento, se voltam contra indivíduos e a humanidade.

Por fim, fica uma pergunta a vocês que pretendem ir às ruas dia 15:

Já pensaram em algum plano melhor do que moralizar Brasilia ou pedir serviços públicos de qualidade?

quarta-feira, 19 de março de 2014

Dois tipos opostos de libertário - qual você é?

por Jeffrey Tucker

Por que preferir a liberdade humana em vez de uma ordem social controlada e regulada por alguns poucos poderosos?  

Para fornecer a resposta, eu diria que os libertários podem ser, de uma forma geral, divididos em dois campos: humanitários e brutalistas.

Os humanitários se baseiam nos seguintes argumentos.  A liberdade permite e estimula uma pacífica cooperação humana.  Ela inspira a criatividade e todos os subsequentes benefícios que isso gera para terceiros.  Ela restringe e desestimula a violência.  Ela permite a acumulação de capital e a prosperidade.  Ela protege os direitos humanos de todos os indivíduos contra violações e usurpações.  Ela permite que associações humanas voluntárias de todos os tipos possam se desenvolver segundo seus próprios termos.  Ela estimula uma maior convivência social e recompensa aquelas pessoas que querem se dar bem com as outras, ao mesmo tempo em que restringe aquelas que só querem causar o mal.  Ela leva a um mundo no qual as pessoas são valorizadas como um fim em si mesmas e não vistas como uma mera forragem em meio a todo um aparato central.

Tanto a história quanto a experiência nos mostram que é assim. 

Todos esses são excelentes motivos para se desejar a liberdade.  Mas eles não são os únicos motivos pelos quais as pessoas defendem a liberdade.  Há um segmento entre os autoproclamados libertários — doravante descritos como brutalistas — que consideram tudo o que foi descrito acima como sendo bastante enfadonho, vago e excessivamente humanitário. 

Para eles, o que é interessante a respeito da liberdade é o fato de ela permitir que pessoas manifestem suas preferências individuais, formem tribos homogêneas, coloquem seus preconceitos em ação, marginalizem pessoas tomando por base padrões "politicamente incorretos", odeiem profundamente determinadas pessoas (desde que nenhuma violência seja utilizada), sejam abertamente racistas e sexistas, sejam excludentes e no geral descontentes com a modernidade, e rejeitem padrões civis de valores e etiquetas, preferindo a adoção de normas anti-sociais. 

Estes dois impulsos são radicalmente distintos.  O primeiro valoriza toda a paz social que surge junto com a liberdade, ao passo que o último valoriza a liberdade de rejeitar a cooperação, preferindo manifestar preconceitos figadais.  O primeiro quer reduzir o papel do poder e do privilégio no mundo, ao passo que o último quer a liberdade de reivindicar poder e privilégio dentro das estritas delimitações dos direitos de propriedade e a liberdade de se afastar de tudo e de todos.
Só para deixar claro, a liberdade realmente permite a manifestação tanto da perspectiva humanitária quanto da brutalista, por mais implausível que isto seja.  A liberdade é ampla, abrangente e não impõe nenhum fim social específico como sendo o único arranjo aceitável.  Por outro lado, ambas as manifestações constituem maneiras extremamente distintas de se enxergar o mundo — a primeira, liberal no sentido clássico; a última, anti-liberal em todos os sentidos —, e é bom ter isso em mente antes de você, como libertário, se descobrir aliado a pessoas que ainda não entenderam o cerne da ideia da liberdade.

O humanitarismo nós compreendemos.  Ele busca o bem-estar da pessoa humana e o desenvolvimento da sociedade em toda a sua complexidade.  O humanitarismo libertário entende que a melhor maneira de se alcançar esses objetivos é por meio do próprio sistema social, que se auto-organiza quando se vê livre dos controles externos exercidos pelas violentas intervenções do estado.  O objetivo é essencialmente benevolente, e o meio pelo qual ele é alcançado valoriza a paz social, a liberdade de associação, as trocas voluntárias e mutuamente benéficas, o desenvolvimento orgânico de instituições, e a beleza da vida.

Mas o que seria o brutalismo?  O termo está em grande parte associado a um estilo arquitetônico popular dos anos 1950 até os anos 70, o qual enfatizava o uso de grandes estruturas de concreto, sem grandes preocupações com estilo e adornos.  A deselegância era seu principal ímpeto e toda a sua fonte de orgulho.  O brutalismo passava a mensagem da despretensão e da crua natureza prática da utilização de um prédio. Uma construção deveria ser forte, não bonita; agressiva, não detalhista; imponente, não sutil.

Na arquitetura, o brutalismo foi uma afetação.  Uma afetação que nasceu de uma teoria retirada de contexto. 

Era um estilo adotado com uma ciente precisão.  Acreditava estar nos obrigando a olhar para realidades sem adornos, para um aparato destituído de distrações, tudo com o intuito de transmitir uma mensagem didática.  Esta mensagem não era somente estética, mas também ética: era uma questão de princípio rejeitar a beleza.  Embelezar significa fazer concessões, distrair, arruinar a pureza da causa.  Desta maneira, o brutalismo rejeitava a necessidade do apelo comercial, e descartava completamente questões como apresentação e comercialização; tais questões, na ótica brutalista, desviavam nossa atenção do seu núcleo radical.

O brutalismo declarava que um prédio não deve ser nem mais nem menos do que supostamente deveria ser para cumprir sua função.  O brutalismo defendia o direito de ser feio, e foi exatamente por esse motivo que tal estilo foi extremamente popular entre os governos ao redor do mundo.  E é também por este motivo que, ao redor do mundo, as formas brutalistas são atualmente consideradas horríveis.

Olhamos para o passado e nos perguntamos como surgiram essas monstruosidades, e nos surpreendemos ao descobrir que elas surgiram de uma teoria que, por princípios, rejeitava a beleza, a apresentação e a ornamentação. Os arquitetos imaginavam estar nos mostrando algo que, em outras circunstâncias, relutaríamos em aceitar.  No entanto, só é possível apreciar os resultados do brutalismo se você já houver aceitado sua teoria e se convencido de sua praticidade.  Caso contrário, sem a ideologia fundamentalista e extremista como sustentação, os prédios parecem apenas coisas aterrorizantes e ameaçadoras.

Por analogia, o que seria o brutalismo ideológico?  Trata-se de uma teoria completamente despida, a qual se preocupa exclusivamente com suas partes mais cruas e mais fundamentais, e que se concentra apenas na aplicação destas partes.  Trata-se de uma ideologia que testa os limites da ideia ao descartar toda a elegância, todo o refinamento, toda a delicadeza, toda a decência, todos os enfeites.  Tal teoria não se importa com a causa maior, que é a civilidade e a beleza dos resultados.  Ela se interessa somente pela pura funcionalidade das partes.  Ela desafia qualquer um a questionar a aparência geral do aparato ideológico, e abertamente despreza quem o faz, o qual passa a ser considerado alguém insuficientemente entendido do núcleo da teoria, sendo que tal teoria é imposta sem contexto e sem nenhuma consideração estética.

É claro que nem todos os argumentos em prol de princípios crus e de análises puras são inerentemente brutalistas; o cerne do brutalismo é o fato de que temos de reduzir para alcançar as raízes, de que temos de nos deparar com a verdade desagradável, de que devemos nos chocar e, em algumas ocasiões, devemos chocar os outros com as implicações aparentemente implausíveis ou desconfortáveis de uma ideia.  O brutalismo vai muito além: a ideia é a de que o argumento deve ser o mais simplista possível, e que elaborá-lo, habilitá-lo, adorná-lo, deixá-lo com nuanças, admitir incertezas ou amplificá-lo para além de afirmações arenosas equivale a um tipo de traição, de concessão ou de corrupção da pureza.  O brutalismo é implacável, inflexível e descarado em sua recusa de abandonar seus mais primitivos postulados.

O brutalismo pode ser visto sob vários disfarces ideológicos.  O bolchevismo e o nazismo são exemplos óbvios: classe e raça se tornam a única métrica a balizar as políticas; quaisquer outras considerações são excluídas.  Nas democracias modernas, as posições partidárias tendem ao brutalismo na medida em que demostram que o controle partidário é a única preocupação relevante.  O fundamentalismo religioso é também outra forma muito óbvia de brutalismo.

No mundo libertário, no entanto, o brutalismo tem suas raízes na simples teoria de que os indivíduos têm o direito de viver de acordo com seus próprios valores, quaisquer que sejam.  A verdade central está lá e é incontestável, mas a aplicação é feita de forma crua.  Assim, os brutalistas declaram o direito de serem racistas, o direito de serem misóginos, o direito de odiarem judeus ou estrangeiros, o direito de ignorar padrões civis de sociabilidade, o direito de serem incivilizados, de serem rudes e grosseiros.  Tudo é permissível e até mesmo meritório, pois aceitar o que é terrível pode constituir um tipo de teste.  Afinal, o que é a liberdade sem o direito de se ser bronco?

Esses tipos de argumentos fazem com que os libertários humanitários se sintam profundamente desconfortáveis, pois, embora tais argumentos sejam estritamente verdadeiros, eles desconsideram o ponto principal da liberdade humana: não devemos dividir ainda mais o mundo e não torná-lo ainda mais infeliz, mas sim estimular e possibilitar o progresso da humanidade com paz e prosperidade.  

Assim como queremos que a arquitetura seja agradável aos olhos e reflita o drama e a elegância do ideal humano, uma teoria sobre a ordem social também deve ser capaz de fornecer uma estrutura adequada para que a vida seja bem vivida e para que todos os tipos de associações voluntárias levem ao crescimento de seus membros.

Os brutalistas estão tecnicamente corretos quanto ao fato de que a liberdade também protege o direito de se ser um completo ignorante e o direito de odiar, mas esses impulsos não são oriundos da longa história das ideias liberais.  Por exemplo, em questões de raça e sexo, a liberação das mulheres e das minorias étnicas do domínio arbitrário foi uma grande conquista dessa tradição.  Continuar afirmando o direito de voltar no tempo nestas questões é uma postura que passa a impressão de que a ideologia foi despida de seu contexto histórico, como se essas vitórias da dignidade humana não tivessem absolutamente nada a ver com as necessidades ideológicas atuais.

O brutalismo é mais do que uma versão simplificada, despojada, anti-moderna e destripada do liberalismo original.  É também um estilo de argumentação e de abordagem retórica.  Assim como na arquitetura, ele rejeita o marketing, o espírito comercial, e a ideia de "vender" uma visão de mundo.  A liberdade deve ser aceita ou rejeitada tendo por base apenas a sua forma mais bruta.  Assim, ele é muito rápido em atacar, condenar e declarar sua vitória.  Ele enxerga meios-termos e concessões em todos os cantos.  Ela adora desmascarar e expor esses pecados.  Ele não tem nenhuma paciência para sutilezas expositivas, e muito menos para as nuances das circunstâncias de tempo e local.  O brutalismo vê apenas verdades cruas, e se agarra a ela como se fosse a única verdade, excluindo todas as outras verdades.

O brutalismo rejeita a sutileza e não enxerga exceções circunstanciais à teoria universal.  A teoria é aplicável em todos os locais, a qualquer época, em qualquer cultura. Não há espaço para modificações ou até mesmo para a descoberta de novas informações que possam modificar a forma com que a teoria seja aplicada.  O brutalismo é um sistema de pensamento fechado no qual todas as informações relevantes já são conhecidas e a maneira pela qual a teoria é aplicada é tida como um mero dado do aparato teórico.  Até mesmo áreas difíceis, como leis familiares, restituições criminais, direitos sobre ideias, responsabilidade por invasões e outras áreas sujeitas à tradicional análise jurisprudencial se tornam parte de um aparato apriorístico que não admite exceções ou emendas.

E dado que o brutalismo é um impulso mais remoto no mundo libertário — os jovens não se interessam mais por essa abordagem —, ele se comporta da maneira típica a grupos seriamente marginalizados.  Ao afirmar o direito ao racismo e ao discurso — e até mesmo justificar o mérito de tal postura, esta corrente já está excluída da grande discussão pública.  As únicas pessoas que de fato escutam argumentos brutalistas — que são intencionalmente pouco convincentes — são outros libertários.  Por esse motivo, o brutalismo se encaminha cada vez mais em direção ao sectarismo extremo: atacar os humanitários que tentam embelezar sua mensagem se torna uma ocupação integral.

Com essa sectarização, os brutalistas evidentemente afirmam que são os únicos verdadeiros adeptos da liberdade, pois somente eles têm fibra para levar a lógica libertária ao seu extremo e aceitar seus resultados.  Porém, o que ocorre aqui não é coragem ou rigor intelectual.  A ideia deles sobre o que significam as ideias libertárias é reducionista, truncada, irrefletida, simplista e não-corrigida pelo avançar da experiência humana, ignorando o grande contexto histórico e social no qual a liberdade vive.

Digamos que você viva numa cidade tomada por um grupo fundamentalista que exclua todos aqueles que não sejam adeptos de sua fé, obrigue as mulheres a usarem roupas do tipo burca, imponha um código legal teocrático e marginalize gays e lésbicas.  Você pode até dizer que, neste caso, as pessoas são parte voluntária desse arranjo; porém, mesmo assim, não há qualquer liberalismo presente neste arranjo social.  Os brutalistas estarão nas trincheiras defendendo essa microtirania, e sempre utilizando como argumentos a descentralização, os direitos de propriedade e o direito de discriminar e de excluir — ignorando completamente a realidade mais profunda, na qual as aspirações individuais em prol de uma vida mais plena e mais livre são negadas diariamente.

No que mais, o brutalista acredita já conhecer os resultados da liberdade humana, e tais resultados frequentemente estão de acordo com os impulsos que mesclaram estado e religião já testemunhados em épocas passadas. Afinal, para eles, a liberdade significa simplesmente a liberação de todos os impulsos mais básicos da natureza humana, os quais eles acreditam terem sido suprimidos pelo estado moderno: o desejo de pertencer a uma homogeneidade racial e religiosa, a permanência moral do patriarcado, a repulsa à homossexualidade e assim por diante.  O que a maioria das pessoas considera avanços modernos contra os preconceitos, os brutalistas creem ser exceções impostas ao longo de toda a história dos instintos tribais e religiosos da humanidade.

É claro que o brutalista que descrevi aqui é um tipo ideal, e provavelmente sua personificação não será encontrada em nenhum pensador específico.  Mas o impulso brutalista está em evidência em todos os cantos, principalmente nas mídias sociais.  Trata-se de uma tendência de pensamento com posições e propensões previsíveis. Trata-se de uma grande fonte para as correntes racistas, sexistas, homofóbicas e anti-semitas que existem dentro do mundo libertário — correntes essas que, ao mesmo tempo em que negam a veracidade desta frase, defendem com idêntica paixão o direito de os indivíduos terem essas visões e agirem de acordo com elas.  Afinal, dizem os brutalistas, o que seria a liberdade humana sem o direito de se comportar de maneiras que testem nossas mais preciosas sensibilidades — e até mesmo a civilização?

No final, tudo se resume à motivação fundamental que dá sustento à própria liberdade. Qual é o seu propósito universal?  Qual é sua contribuição histórica dominante?  Qual é o seu futuro?  É aqui que os humanitários estão fundamentalmente em desacordo com os brutalistas.

É verdade que não devemos ignorar o núcleo da pura teoria da liberdade, e jamais devemos nos esquivar de suas implicações mais difíceis.  Ao mesmo tempo, a história da liberdade e seu futuro não se resumem a apenas declarações de direitos; são também sobre elegância, estética, beleza e complexidade; sobre como servir às outras pessoas, sobre a comunidade, sobre o gradual surgimento de normas culturais, e sobre o desenvolvimento espontâneo de amplas ordens de relacionamentos comerciais e pessoais.  A liberdade é o que dá vida à imaginação humana, e é ela quem permite que o amor se amplifique e se estenda desde nossos desejos mais benevolentes e elevados.

Por outro lado, uma ideologia roubada de seus adornos pode se tornar algo francamente desagradável e feio, como uma grande monstruosidade de concreto construída décadas atrás e imposta sobre uma paisagem urbana, constrangedora a todos, e que hoje está apenas à espera de sua demolição.

O libertarianismo será brutalista ou humanitário? Você tem de decidir.


tradução Erick Vasconselos

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

100 anos de Federal Reserve

                No dia 23 de dezembro de 1913, um dos acontecimentos mais relevantes do século XX estava prestes a mudar o mundo. Mesmo assim, parece que o centenário da fundação do FED não é uma informação digna de ser noticiada na grande mídia brasileira e mundial.

                Apesar de não ter sido o primeiro banco central de um país importante (O Reino Unido fundou sua versão em 1694), foi a criação de um “monopólio privado” norte-americano em prol de banqueiros e políticos que definiu a geopolítica e economia dos séculos XX e XXI. Com a perspicaz característica da classe política, aproveitaram a noite anterior à ceia de natal, com o congresso e senado vazios, para aprovar o Federal Reserve Act.

                Enquanto uns descrevem a criação do Federal Reserve como um grande feito para a humanidade, a verdade é bem outra: influentes banqueiros e políticos desenvolveram um novo e poderoso sistema financeiro que promoveram e impuseram um século de conflitos e genocídios, incluindo duas guerras mundiais, Grande Depressão de 1929, inúmeras outras recessões e a nova moda de socorrer mega-banqueiros com o dinheiro de pagadores de impostos.

                A fraude do FED se inicia pelo próprio nome. Não há nada de “federal”, nem “reserva” ou “banco”. É uma entidade 95% privada, que atua fora do controle/burocracia estatal, mas que tem total autonomia de inflacionar o dólar (via impressão de dinheiro) caracterizando tudo menos algum tipo de “reserva”. Eles imprimem dinheiro para financiar “bombardeiros democráticos “ ao redor do mundo, para garantir que grandes corporações como Goldman Sachs, Bank of America, City e JPMorgan se mantenham felizes e ricas.

Por fim, também não atua como banco uma vez que o core business dessas instituições seriam lidar com necessidades de crédito da real economia, formada por pessoas de diferentes origens e objetivos.

Como uma organização como essa consegue controlar não só a economia dos Estados Unidos mas do mundo inteiro?

Imagine que o Brasil tenha de adquirir petróleo ou qualquer outra commodity equivalente a 100 dólares. Alguém terá de trabalhar para adquirir esses 100 dólares ao passo que quando o governo norte-americano precisa adquirir o mesmo produto, basta imprimir esses 100 dólares. Fácil de estabelecer como uma super-potência utilizando esses tipos de artifícios, não? Para entender melhor, favor ler as considerações de Murray Rothbard a respeito (http://mises.org/daily/6320/).

Continuando a usar o exemplo do petróleo e como o fluxo de dinheiro consegue alimentar o sistema financeiro norte-americano, vemos a extinção do padrão-ouro e o surgimento do “petro-dolar” como uma quase que infalível forma de dominação. Acham que os Estados Unidos invadiram a Lybia em 2011 para promover democracia ou porque Muammar Kaddafi estava prestes a lançar um programa no norte da África para troca de petróleo em um novo padrão monetário baseado no ouro? http://www.theguardian.com/commentisfree/2011/jul/13/muammar-gaddafi-oil-algeria

E é nesse contexto de extremo desconhecimento que “defensores da justiça social” desferem ódio ao mercado e o quão maléfico ele pode ser, sem se dar conta do atual momento que vivemos: Simbiose entre os poderes financeiros e políticos onde o controle é o grande objetivo. Uma grande dica a qualquer um que seja é que entendam como a formação de riqueza acontece e como sua concentração no topo da pirâmide se desenvolve.

Mas ao contrário disso, o modelo norte-americano é seguido pelo o mundo inteiro seja através do Banco Central do Brasil, Banco Central Europeu e Banco Mundial. A fraude institucionalizada é acompanhada por um belo método de roubo tão eficiente mas mais discreto que os imposto. Me refiro a desvalorização da moeda.

                Com esperança de mudança nesse nível de conhecimento, sugiro alguns livros/vídeos que contam melhor a história do Federal Reserve para quem sabe, não completar mais um século.




- The truth about Federal Reserve (http://www.youtube.com/watch?v=CAYkmutzcrU)

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Do Socialismo Profético Ao Socialismo Experimental

Seus avós tomavam leite integral, mas o chamavam apenas de leite. Seus pais faziam ligações de telefone fixo, mas o chamavam apenas de telefone. Você talvez assistisse TV aberta quando chamávamos os canais apenas de TV. Depois que começamos a beber leite desnatado, ligar de telefone celular e assistir TV a cabo, nossa comunicação ganhou uma dose de ambiguidade. Passamos a criar os chamados retrônimos, neologismos que adjetivam um termo original para que ele possa manter, em nova versão composta, o mesmo significado que possuía anteriormente.
Sabão em barra, câmera de filme, relógio analógico, caneta tinteiro, estrada de chão, forno convencional… são todos exemplos de retrônimos – todos neologismos criados para identificar o que a tecnologia tornou ambíguo. Maus candidatos a retrônimos futuros são “automóvel a combustão” e “impressora 2D”.
Mas nem só de tecnologia se compõem os retrônimos. “Monarquia absolutista”, por exemplo, é uma retronímia política decorrente do advento do Estado de Direito e da propagação do constitucionalismo. “Propriedade privada” também é um retrônimo que os autores do século XVIII parecem usar para identificar o que no século anterior John Locke e Jean-Jacques Rousseau chamavam apenas de “propriedade”.
Karl Marx era craque em usar o poder retórico dos retrônimos a seu favor. Cunhou o termo “economistas clássicos” para, com algum decoro, empurrar a estante de Turgot, Smith, Say e Ricardo da biblioteca para o museu, manobra que, por consequência, faria do próprio Marx o divisor de águas da história econômica.
Tratamento ainda menos generoso receberam os socialistas do século XVIII e XIX. Textos como Do Socialismo Utópico ao Socialismo Científicode Friedrich Engels agruparam Saint-Simon, Robert Owen, Charles Fourier e outros sob o véu desabonador do “socialismo utópico”, mantendo-os assim separados, pela distância que há entre o sonhador e o vigilante, da versão histórico-materialista autodenominada “socialismo científico”.
Quem tem retronomia não precisa de refutação. Quem é que, quando confrontado com a escolha entre utopia e ciência, não prefere ficar do lado da ciência? É preciso ignorar essa taxonomia sugestiva para percebermos que, ao contrário do que sugerem os marxistas, alguns de seus antecessores utópicos estavam mais próximos da ciência experimental que Marx. Joshua Muravchik faz esse ponto em ensaio citado por Bryan Caplan:
Owen e os outros comunitários na verdade criaram experimentos para testar suas ideias. A experimentação é a essência mesma da ciência. Eles foram os verdadeiros socialistas científicos.
Havia em pessoas como Robert Owen a ambição empírica que anima o espírito científico – apesar de que seus experimentos não tenham sido lá tão bem sucedidos. Muravchik fala que em 1824 Robert Owen viajou da Grã-Bretanha para os Estados Unidos decidido a fundar suas próprias comunidades socialistas. De um grupo religioso, comprou terras às margens do Rio Wabash para então povoá-lo. O terreno incluía casas, fazendas e 20 oficinas produtivas que vendiam para o resto dos Estados Unidos. Apesar do lugar escolhido já vir com certo grau de desenvolvimento, Muravchik diz que “em um ano depois de adquirir o lugar, Owen e seus milhares de seguidores haviam transformado essa pequena Suíça em uma Albânia.”
Pode ter sido um fracasso, mas é melhor testar e fracassar que teorizar eternamente sem jamais reconhecer fracasso. Em vez de testar hipóteses, marxistas fazem profecias fundamentadas nas leis inexoráveis da história que deveriam varrer o capitalismo burguês da face da terra através da culminação dialética de uma luta de classes de determinação cósmica. Sabe como é: “ciência”.
Ao reconhecer critérios de testabilidade para suas teorias, o socialista dito utópico poderia ao menos tentar dialogar com seu oponente sobre qual a melhor maneira de reduzir a pobreza. Se retornassem a essa tradição, os socialistas poderiam unir forças com os liberais experimentais para que governos permitissem a criação de novos laboratórios sociais voluntários, como Cidades Modelo e Seasteading.
Seria menos nocivo testar em escala limitada, reconhecer fracassos e propor reformas do que proclamar sobre uma montanha de cem milhões de mortos que o verdadeiro socialismo nunca foi verdadeiramente tentado, mas que seu triunfo é inevitável.
O retrônimo correto não deveria ser “socialismo utópico”, mas “socialismo experimental”, como sugere Caplan. A abertura à experimentação é uma virtude de alguns socialistas pré-marxistas que poderia ser restaurada. Aí seriam os velhos marxistas que precisariam de um novo retrônimo. Meu voto vai para “socialismo profético”.

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Publicado originalmente por Diogo Costa em www.capitalismoparaospobres.com.br

sábado, 19 de outubro de 2013

Seria o liberalismo uma ideologia a serviço de empresários?

Os inimigos do livre mercado adoram estereotipar o liberalismo como sendo uma ideologia totalmente a soldo dos interesses dos empresários, sobretudo do grande empresariado.  De maneira caracteristicamente conspiratória, eles se apressam em descrever o liberalismo como sendo um conjunto de teses criadas ad hoc para beneficiar a plutocracia: impostos baixos ou nulos, ausência de leis trabalhistas, ausência de regulamentações sobre a economia, oposição à tributação de quem já possui um elevado patrimônio, oposição às leis antitruste etc. 

Com efeito, fazendo uma abordagem parcial e tendenciosa do assunto, a hipótese de fato parece verossímil.  No entanto, ao se esquadrinhar mais detidamente a realidade, é possível constatar que este ataque não possui absolutamente nenhum fundamento.

Para começar, o liberalismo é simplesmente uma filosofia que defende aqueles princípios normativos universais e simétricos que permitem que cada indivíduo ou grupo de indivíduos possa satisfazer seus objetivos de maneira voluntária, cooperativa e mutuamente benéfica para outros indivíduos.  A materialização prática desta saudável premissa implica que as relações humanas têm necessariamente de estar coordenadas tendo por base o respeito à propriedade privada e aos contratos voluntariamente firmados.  Implica também que nenhuma pessoa tem o direito de iniciar violência contra a propriedade privada alheia e de se esquivar das responsabilidades que tenham assumido (o não-cumprimento de um contrato).  Por conseguinte, é fácil constatar, desde o início, que não é plausível dizer que o liberalismo está a serviço da classe empresarial, pois os direitos e deveres fundamentais são os mesmos para todos os indivíduos, não importa quem sejam e nem qual a posição social que ocupam.

Tendo entendido isso, os inimigos do liberalismo recorrem à seguinte réplica: se um liberal defende direitos e deveres simétricos para todos é porque ele sabe que essa igualdade jurídica beneficia apenas os empresários, em detrimento do resto da sociedade (por qualquer que seja o motivo: seja porque eles são mais hábeis, ou mais preparados, ou mais ricos).  Toda aquela explicação delineada acima seria apenas um subterfúgio para consolidar um regime de exploração empresarial.  Afinal, não se pode tratar de maneira igual aqueles que são diferentes.

Demonstrar que o império jurídico da propriedade privada e dos contratos voluntários é algo benéfico para todos iria alongar desnecessariamente a discussão; a este respeito basta dizer que, se o mercado não é um jogo de soma zero — e não é —, então todos podem sair ganhando desta cooperação social, por mais que algumas pessoas (as mais perspicazes) sejam capazes de obter mais benefícios desta cooperação do que as outras pessoas.  O fato é que todas têm potencial para sair ganhando (umas mais; outras nem tanto).  O objetivo deste artigo é refutar a hipótese de que todas as propostas liberais são, no fundo, um mero disfarce dialético criado para ajudar o empresário a lucrar impunemente.

Logo de início, esta acusação se depara com um problema insolúvel: os interesses dos empresários não são nada homogêneos.  Por exemplo, dentro de uma mesma área da economia, duas empresas podem competir e batalhar ferozmente até que uma delas desapareça (por exemplo, duas empresas de telefonia celular ou de sistemas operacionais).  Dentro de um mesmo sistema econômico, diferentes indústrias podem reproduzir esta feroz concorrência para ganhar os clientes das outras (por exemplo, empresários que fabricam computadores versus empresários que fabricam máquinas de escrever).  Mais ainda: dentro da economia global, os interesses gerais de alguns capitalistas podem estar em conflito com os interesses de outros capitalistas (por exemplo, quando alguns especuladores atacam as ações de uma empresa é evidente que os interesses dos especuladores são absolutamente contrários ao interesses da empresa contra a qual eles estão especulando).

Se os liberais realmente querem defender acirradamente os interesses de empresários e capitalistas, então eles inevitavelmente entrarão em colapso em decorrência de um curto-circuito esquizofrênico.  Afinal, exatamente os interesses de quais empresários ou capitalistas eles irão defender a cada momento?  Os que estão em melhor situação financeira?  Não faria sentido, pois, dado que os liberais coerentes defendem a concorrência livre e irrestrita, nada garante que este empresário não venha um dia a perder sua boa situação financeira.

Com efeito, dado que não há a mais mínima garantia de que todos os empresários serão beneficiados em um sistema de livre concorrência, a lógica diz que a maioria deles não terá motivos para defender os princípios do liberalismo.  E a realidade é que o livre mercado beneficia apenas aqueles empresários competentes, aqueles capazes de investir adequadamente seu capital de modo a satisfazer, melhor do que seus concorrentes, as variadas e variáveis demandas dos consumidores.  E de satisfazer continuamente estas demandas. 

O livre mercado, portanto, é um arranjo bastante incerto, hostil e variável, no qual poucos empresários podem se sentir permanentemente confortáveis.  O que a grande maioria dos empresários realmente deseja é que o estado lhes proteja da concorrência e lhes assegure uma fatia garantida de lucro, que lhes permita desfrutar a vida sem dores de cabeça e sem constantes preocupações acerca de como melhorar seus serviços aos consumidores.  O que os empresários realmente desejam são tarifas protecionistas que os protejam da concorrência de importados e agências reguladoras que cartelizem o mercado e impeçam a entrada de novos concorrentes. 

Se os liberais estivessem a serviço do empresariado, suas principais reivindicações consistiriam em exigir que o estado criasse regulações e aumentasse seus gastos de forma a maximizar o lucro empresarial.  Mas o que ocorre é justamente o oposto: os liberais desejam abolir todas as regulações e todos os gastos estatais que resultam em altos lucros para determinada casta corporativa.
Fazendo uma lista nada exaustiva, os genuínos liberais se opõem às seguintes prebendas tão ao gosto de vários empresários acomodados:

1) Políticas de preços mínimos, subsídios e pacotes de socorro.

Em um livre mercado, todas as empresas devem estar sujeitas aos desejos dos consumidores.  Isso implica que nenhum empresário ou capitalista tem sua renda futura garantida.  Suas rendas decorrerão exclusivamente de suas capacidades de atender os desejos dos consumidores de forma mais satisfatória que seus concorrentes.  Este princípio, é claro, não vale apenas para empresários e capitalistas, mas também para todos os agentes econômicos (daí a tão difundida ideia de que somos "escravos do mercado"). 

Consequentemente, os liberais se opõem a todos os tipos de falcatruas estatistas criadas com o intuito de burlar esta servidão dos empresários aos consumidores.  Exemplos típicos destas falcatruas são as políticas de preços mínimos (o estado compra as mercadorias de um empresário a preços mais altos do que estão dispostos a pagar os consumidores), os subsídios (os pagadores de impostos são obrigados a financiar um projeto empresarial com o qual não necessariamente concordam), e os pacotes de socorro (empresas falidas, que destruíram mais riqueza do que foram capazes de criar e que, de acordo com os desejos claramente manifestados pelos consumidores — que não mais compram seus produtos —, deveriam desaparecer, são salvas pelo governo). 
Empresários gostam de políticas de preços mínimos, de subsídios e de pacotes de socorro.  Os liberais, não.

2) Barreiras de entrada ao mercado.

Se o empresário deve, a todo o momento, servir o consumidor de forma mais satisfatória que seus concorrentes, então é evidente que sua situação dentro da economia de mercado está continuamente em perigo.  Mesmo que ele não esteja visualizando nenhuma ameaça ao seu domínio, isso não significa que ninguém esteja preparando um plano de negócios que a curto, médio ou longo prazo que termine por destroná-lo. 

Exatamente por isso, os empresários que já estão estabelecidos no mercado adoram todo e qualquer tipo de barreiras de entrada que impeçam que outros empresários com novas ideias os desbanquem.  Os liberais, por sua vez, se opõem a toda e qualquer regulamentação que bloqueie a livre concorrência, exatamente porque é a livre concorrência que permite desbancar empresários menos eficientes.  Licenças, burocracia, regulamentações que imponham opressivos custos iniciais, concessões exclusivas e monopolistas, e até mesmo patentes — tudo isso é combatido pelos liberais. 
Empresários já estabelecidos no mercado adoram restrições à concorrência.  Os liberais as detestam.

3) Tarifas de importação, desvalorização cambial e outras barreiras protecionistas

Outra forma de proteção contra a concorrência são as tarifas de importação, as quotas e outras barreiras protecionistas, como a desvalorização cambial.  Este ferramental mercantilista blinda as empresas nacionais contra a concorrência estrangeira, assegurando aos empresários que se especializaram em atender o mercado interno a continuidade de seu reinado. 

Dado o tamanho da economia mundial em relação a uma economia nacional qualquer, basta apenas imaginar a enorme inquietação que sente um empresário nacional quando, de repente, as barreiras comerciais são abolidas e ele se depara com toda uma cornucópia de potenciais concorrentes estrangeiros.  Daí que inúmeros empresários adoram o protecionismo comercial e o câmbio desvalorizado, ao passo que os liberais sempre foram marcadamente pró-livre comércio e pró-moeda forte. 

Novamente, empresários e liberais estão em lados completamente opostos.

4) Crédito artificialmente barato

Capitalistas e empresários têm, e sempre tiveram, uma relação passional com o crédito barato.  Muitos empresários vendem a maior parte de suas mercadorias a crédito (imóveis, eletrodomésticos, automóveis etc.), de modo que, quanto mais crédito, mais vendas.  Da mesma maneira, para montar uma empresa, ou para multiplicar seus rendimentos, é necessário capital, e uma forma de obter esse capital de maneira acessível é com empréstimos bancários artificialmente baratos.  Por sua vez, os empresários provedores deste crédito artificialmente barato e abundante — os banqueiros — também obtêm lucros extraordinários em decorrência de seu agora maior volume de negócios. 

Sendo assim, quase todos os empresários adoram quando o governo, por meio de seu Banco Central, fornece mais dinheiro aos bancos para que estes expandam o crédito a custos mais baixos.  E adoram ainda mais quando o próprio governo, por meio de algum banco estatal de fomento, fornece este crédito.  Os liberais, ao contrário, condenam as manipulações inflacionistas do crédito e, para acabar com elas, chegam até mesmo a propor o abandono da moeda fiduciária e a abolição destes monopólios estatais chamados Bancos Centrais, que tanto protegem e beneficiam o sistema bancário. 
Outro ponto no qual empresários e liberais batem de frente.

5) Planos de estímulos e obras públicas

Uma possível consequência das expansões creditícias é o endividamento estatal decorrente de projetos faraônicos despropositados, como obras públicas megalomaníacas.  Muitas destas obras são inventadas com o intuito de gerar empregos e "estimular" a economia.  As empresas adoram tais obras porque elas incrementam suas receitas e seus lucros (não apenas aquelas que são diretamente beneficiadas pelos contratos estatais, mas também aquelas que saem ganhando em decorrência do estímulo temporal propiciado pelo aumento do gasto agregado).  Com efeito, tais obras públicas nada mais são do que uma forma de subsídio e, como todos os subsídios, elas são repudiadas frontalmente pelos liberais.

Outro exemplo em que não há nenhuma coincidência de opiniões entre liberais e empresários. 

Conclusão

O fato de os liberais defenderem um arranjo jurídico no qual os melhores empresários podem prosperar e enriquecer não significa que estejam a serviço destes, uma vez que, em tal arranjo, os empresários que forem ineficientes — e que não podem recorrer aos privilégios e protecionismos estatais — estão condenados ao fracasso.  Mais ainda: nada impede que os empresários bem sucedidos de hoje se transformem nos arruinados de amanhã.

Os liberais defendem este arranjo porque ele é o que melhor permite que todos satisfaçam suas necessidades: os melhores empresários enriquecem somente após terem gerado muito valor para os consumidores. 

A realidade, portanto, é exatamente o oposto do que parece: são os intervencionistas, contrários ao liberalismo, que recorrem a todos os tipos de argúcias estatistas para solapar a soberania do consumidor e, consciente ou inconscientemente, encher os bolsos dos empresários protegidos pelo governo.

por , quarta-feira, 16 de outubro de 2013
originalmente publicado em: http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=1714

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Venda de DVDs e CDs piratas não é infração penal.

Interessante decisão judicial em Goiânia, suportada por consistentes justificativas.


Originalmente publicado em: http://www.conjur.com.br/2013-set-03/aceita-sociedade-venda-cds-piratas-nao-infracao-penal

A venda de CDs e DVDs pirateados não configura infração penal, pois é aceita pela sociedade e representa uma oportunidade profissional para pessoas que não são aceitas no mercado formal de trabalho. Criminalizar a conduta serve para a tutela de determinados grupos econômicos, permitindo o controle social. Essa foi a alegação utilizada pelo juiz Adegmar José Ferreira, titular da 10ª Vara Criminal de Goiânia, para absolver uma mulher acusada de pirataria após presa em flagrante com mais de 700 CDs e DVDs falsificados.

De acordo com o juiz, a negociação de CDs e DVDs falsificados não é vista pela população como algo criminoso ou mesmo imoral. Para ele, os discos pirateados são a única opção de inserção à cultura, uma vez que a alta carga tributária e o domínio do mercado pelas grandes gravadoras encarecem os produtos.

Apesar da prática ser ilegal, ele afirma que a conduta é repetida por toda sociedade. "O mais absurdo é que camadas mais elevadas da sociedade patrocinam o suposto crime em tela, diuturnamente, através da  “internet”, “iPods”, “iPhones” e outros", disse. O juiz também questiona se algum motorista já foi autuado durante abordagem policial por ter sido flagrado ouvindo música pirateada em seu carro.

Adegmar José Ferreira destaca também que as condutas imorais mais comuns entre os mais pobres são roubo, furto e falsificação, enquanto entre os mais ricos, as práticas têm penas mais brandas. Entre os exemplos por ele citados, estão crimes contra o meio ambiente e crimes tributários.

O juiz aponta também que alguns artistas consideram a pirataria como forma de propaganda à sua obra. Ele cita o exemplo do escritor Paulo Coelho, ter publicado em seu site uma edição pirateada do livro O Alquimista, o que teria garantido o sucesso da obra na Rússia.

O juiz da 10ª Vara Criminal de Goiânia cita precedentes do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, do TJ do Mato Grosso e da Justiça do Acre, além do Tribunal de Justiça de São Paulo. A mulher foi absolvida com base no artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal, que prevê a absolvição quando o fato não constituir infração penal.

Clique aqui para ler a decisão.

Gabriel Mandel é repórter da revista Consultor Jurídico.

Revista Consultor Jurídico, 3 de setembro de 2013



quinta-feira, 27 de junho de 2013

Brazil – Protests, state, history and liberty

         A few weeks ago we were up to see what seemed to be a protest against a R$0.20 raise in the São Paulo ticket bus price but since then the Brazilians are experiencing the major wave of riots and protests in decades. It all begun with this protest organized by the “Free Pass Movement” in 6th of June ,69 years after the D-Day  in a protest known as “The first great act against  the raise in ticket prices”

         The first week of protests became remembered from the confrontation between protesters and the police. While the mainstream media coverage was focusing on the riots and destructions nearby the famous Paulista Avenue the Brazilians were deeply emerged in the powerful social media interactivity, represented mostly by Facebook, focusing on the violence and brutality of the police officers. Maybe the most remarkable YouTube video during the first week of protests was about a cop destroying his own car window, probably to justify some violent action. 

         Despite all the misjudgment in both media it’s clear that this issue was just the beginning of a chain of events that made Brazilians from all kinds of political bias to go to streets and complain “not only for R$0.20”, a motto that was born on the internet and just in a blink of an eye we were all on streets. Issues such as big spends in Soccer World Cup and Olympics with no real payback in our poor infrastructure, corruption and the terrible quality of education and health care public services was the main complains on streets. The “Free Pass Movement” spokespersons didn’t like the way the protests were going saying that the Brazilians couldn’t forget about the “real” agenda. In an opposite direction the Anonymous group was the great responsible to establish a non-party agenda once the FPM sets themselves as a radical left wing group.

         Surely is too soon to get the real meaning of all of this but some analysis can be made right now.

A look to the past

         Believe me: There’s never been such a thing as liberty around here. Unlike the Unites States of America that in the 19th century was preparing to become the most powerful and wealthiest nation in the world, Brazil was a monarchist and slavery country for almost the entire 19th century. The 20th century was no different at all and can’t be remembered of free individuals changing this country.

         90 years ago Getúlio Vargas established himself as a populist dictator for almost two decades. In the Fifties Juscelino Kubitschek was the president in charge when the politicians had a "brilliant" idea to run away from the Brazilians creating the new federal capital Brasilia, a city in the middle of nowhere. 10 years later when we were going towards a communist regime the military force was responsible for a Coup d'état in 1964 that last until the middle 80’s.

         The military government is remenbered by all forms of censorship against political opponents (unfortunately almost all of them was communists). Thousands of people were shut down during this period. The economic situation was critic as well. A huge regulator and protectionist state (responsible to provide all kinds of “basic” goods and services) vanished the little of wealth the Brazilian middle class had due to criminal and regular periods of hyperinflation.

         What I’m going to write now it’s no joke, ok? Influent journalists and political writers from Brazil say that the Military Dictatorship period was capitalism at its best. A tupiniquim version for the American way of life. According to these liars the right-wing conservatives was the only alternative to a social left-wing regime. They say the liberalism (in the classic sense of the word) was proven wrong so there’s no place to consider a small state in here. Said that lets go back to history.

          After the fall of the military government in 1985 the democracy arrives but in the economics the tragedy continued. Hyperinflation, price fixing and apprehension of people’s money on banks were some of the ridiculous government actions that lead to the last big wave of protests until now. As a result: The currently President Fernando Collor suffered an impeachment in 1992. The legacy: 20 years later we’re all on streets again.

         The generation of young people that are now on streets has lived in a pretended period of prosperity. Without hyperinflation moments and with less protectionism than before, people now had reasons to believe Brazil would became internationally relevant. In the politics enviroment the three major parties that stepped up (PT, PSDB and PMDB) are all social democrats orientated. A big welfare state and credit creation by our Central Bank  made people think we were back on track and all the “bright future” motto was all over again been used by politicians to make us believe in their capacity of Brazil. 

What to wait for?

         As we could get from this briefly analysis of the political history of Brazil the big state has always been part of our life. The Brazilian Constitution from 1988 institutionalizes the idea that a lot of kinds of goods and services are actually rights. Even today people refer to the constitution as a major milestone to our “outstanding democratic system”. So now we’re fooled to believe that the state is the responsible to delivery us stuffs that individuals would never been able to offer.

         The anti-capitalist mentality is still a great movement in Brazil. It’s not chocking once almost an entire class of ‘intelectuals’, musicians, writers and artists in general has always been flirting with the concept that economic liberty is naturally bad. Surely this “evidence” has nothing to do with the real world in Brazil or overseas.

         The enthusiastic of a progressive agenda has systematic been attacking what they call as ‘neoliberals’. This term has always been in use since the 90s to attack everything bad in Brazil such as the level of misery and economic gap between classes. Once no one defends this made up neoliberal agenda it’s was easy to associate the term with the concept of capitalism. Gramsci would be proud of these guys.  If neoliberal actually means something it’s nothing more than a light socialism.

         Privatizations have always been attacked by the statists. They forget that 20 years ago the telephonic sector was a monopoly of the state and you had to wait for months simple to have a telephone number in your house. But it’s true that you can’t expect coherence for these guys. They say that the PSDB (Brazilian Social Democratic Party) “sold” the Brazil while the party never has been a clearly defender of the private sector. As soon as we still saying stupid things like “the oil is ours” happiest the politicians will be. We’re just endorsing them to take care of our life.

         Let’s face something. If you want to redistribute (and destroy) wealth it’s wise to first create it. Sweden it’s seen as a benchmark of a huge democratic and welfare state but people are just too lazy to understand that before the welfare state arise in there they were by decades a pungent and free market nation. That’s the only effective way to create wealth independent of the imorality of redistribution.

         There are some reasons Brazil still a 3rd world country. One of them is that we skipped the wealth creation period before distributed it. In other words, we’re just redistributing poverty instead wealth. But politicians know that some liberty is necessary to avoid the collapse of the welfare state system. Only the enough to get them reelected.

The giant is alive but still sleeping

         It’s really awesome and exciting when you realize that the state and politicians are extremely weak when population arises against them. They can only be in charge of our life once we legitimate their acts. We’re stronger and more numerous so they will go to fall once we decide that’s the way.

         But come on! Are we going to call for more of the same? More state and politicians in our live? Since when are we going to believe that volunteer actions are bad? Individuals are capable enough to change the world and humanity for better. If the state is responsible to regulate and supervise us who will go to supervise them? So, let’s stop begging government for quality services.

         Think about it all the great and cool stuffs that happened in the last 20 years. If you write down a list it’s very unlikely that the government was responsible for one of these amazing things. Only the private market can efficiently provide goods and services that the population need. Basic goods and services are still scarce so cannot be seen as rights.

         The results will be awful if this generation of protestors don’t fight for a real reason that would make us proud of changing this country for better. Liberty is kind of a new word in Brazil but we can’t give it up of pursuing that. Only individuals actually acts and been so no central planning will be capable to offer real positive change in a planet with 7 billion people and a country of 200 million people. We’re much more than a tool to elect a politician.

         Acts of violence are minimized when government take our money via taxes and made up when people volunteered interact each other. Trying liberty moving away from the leeches of the society (a.k.a. political class) is the first major step we need. Otherwise we’re going to have more of the same and Brazil will be forever the country of the future.